quinta-feira, novembro 23, 2006

Apesar de tudo, sonhos (segunda parte)

Marluce trabalhava de terça a domingo, alternando jornadas noturnas e diurnas. Por ordem do gerente, tornou-se a camareira "Luci" porque era um nome "mais sexy", segundo ele ("como se isso importasse no trabalho", ponderou a moça, que não insistiu no assunto. "Que ficasse Luci então").

Nos finais de semana, por causa do movimento, trabalhava dobrado. Procurava não pensar nos clientes mas, por vezes, invejava aquela gente, todos com seus pares. Fingia não ouvir os sons vindos dos quartos e ruborizava perante os colegas, principalmente homens, se ouvisse algo da trilha sonora emitida pelos amantes. Na semana do dia 12 de junho todos os empregados trabalhavam em horário dobrado já que os casais utilizavam ininterruptamente as suítes. No motel aqueles dias (bem como os finais de semana) eram conhecidos como semana (ou dias) CQ, “cama quente”, em alusão ao intervalo mínimo entre a estada de um casal e o seguinte. Marluce ficava hipnotizada com os bombons sobre a cama, simbolizando as boas-vindas aos namorados em seu dia, e com os enfeites em tons vermelhos, a tal “cor da paixão”. Sonhava com um príncipe que jamais viria mas que, em suas fantasias, a colocava na banheira de hidromassagem e a deitava naquelas grandes camas redondas – algumas com seus lençóis de elástico manchados ou puídos, mas que Marluce habilmente conseguia esconder para debaixo do colchão. Ordens da gerência.

Numa daquelas movimentadas noites, mandaram-na entregar um sorvete em uma das suítes. Logo após entrar, quando já ia deixando a bandeja sobre a mesinha da ante-sala, ouviu uma voz masculina indicando que levasse até junto à cama o pedido. Teve dúvida – já que isso não era o padrão – mas ao ouvir uma voz feminina insistindo na solicitação, resolveu atender. Ao entrar no quarto, deparou-se com um grande homem, completamente nu, com seu membro enrijecido. O homem olhava lascivo para Marluce e a convidava a se aproximar para “experimentá-lo”, perguntando se ela queria sentir “o que era bom”. Sentada em uma poltrona, a moça que a chamara ria descontroladamente da cena e de Marluce, que não sabia o que fazer. Os segundos pareceram séculos e ela apenas teve energia para voltar correndo e chorando para a área reservada do motel enquanto deixava para trás as gargalhadas do casal. O homem aproveitou a deixa que o crachá de Marluce lhe deu: “Volta aqui Luci, volta...”. Quando criou coragem, contou para as colegas o que havia acontecido. Ninguém acreditou nela e, se acreditaram, preferiram fingir que ela estava inventando. No dia seguinte todos os empregados do motel sabiam do ocorrido. Começaram a dizer que ela entrou no quarto de propósito; “Está vendo, Luci? camareira curiosa, dá nisso. Mas, me conta, como era?!?!?”.

A mãe, dona Elza, sempre lhe perguntava como estava o serviço mas Marluce pouco dizia. Após o episódio do exibicionista Marluce tornou-se mais reservada ainda. Odiava as piadinhas que era obrigada a ouvir. Diziam que camareira de motel era “uma raça muito bem-humorada porque sempre achava tudo gozado”. Não conseguia ver graça na piada já que aquela simples palavra, “gozado”, lhe agredia, bem como qualquer outro termo possivelmente relativo ao sexo ou aos órgãos sexuais, mesmo os mais distantes ou “técnicos”. Sentia-se mal no emprego mas financeiramente era o melhor que conseguira arrumar.

Num domingo à noite chegou um grande carro, cheio de neon e som bastante alto, “glamurosa, rainha do funk... poderosa, olhar de diamante...”. Algum MC? talvez um jogador... Sim, talvez fosse, mas os vidros negros escondiam os ocupantes. Na portaria pediram a suíte presidencial e os garçons fizeram muitas viagens entre a cozinha e a grande suíte. “Alô...aí, uísque, espumante, energético, mandem tudo o que tiver; hoje é dia de festa!”. Hóspedes desse tipo viravam notícia rapidamente no motel. Os garçons disseram ouvir mais de uma voz de homem; achavam que eram dois, mas talvez até três. O grupo levou um som portátil para a suíte e colocou a todo volume. Com eles, uma moça, com certeza apenas uma. Um dos garçons, o Marcos, viu a garota enquanto ela mexia no frigobar. “É aquela loira que aparecia no programa do Gugu, tenho certeza!”.

Passou rápido o tempo, já eram quase três da manhã. O movimento tinha diminuído, tudo estava bem tranqüilo. Marluce consegue descansar sentada num banquinho junto à entrada da cozinha. O som alto vindo da principal suíte incomoda os poucos hóspedes que ainda estão no motel. No entanto, o gerente manda deixar assim mesmo, orientando a telefonista: “a conta está bombando, inventa desculpas”.

(continua)

4 comentários:

Frederico disse...

Te, sobre seu comentário no post abaixo, é curioso porque tive a mesma impressão quanto ao blog do Arnaldo. Dei uma descurtida momentânea também. Mas depois eu volto, isso já aconteceu. E quanto ao elogio... obrigado pela extremada gentileza. (sua e de todos os demais)

Suzi disse...

Marluce, coitadinha...
Tantos sonhos...
Haverá um sol brilhando pra ela, em algum tempo e lugar? Tomara que sim! Afinal, mesmo quando o céu é totalmente cinza, é possível achar um pedacinho de céu azul...
Tô na torcida!

Anônimo disse...

Tô adorando a história!
E torcendo pela pobre Marluce, tadinha...
bjs na espera de mais um capítulo :)

Eu não sei, você sabe? disse...

aiaia o negócio vai esquentando...ótimo!