Mas Marluce tinha sonhos e, ainda menina, queria ser professora. Brincava de dar aulas para suas bonecas e, mais tarde, para duas priminhas – que ficavam sonolentas e desconcertadas com aquele falatório. Terminavam por chorar com a insistência da prima mais velha e o choro fazia acabar a brincadeira. Na adolescência, Marluce encontrou sua aspiração definitiva: decidiu ser médica pediatra, para curar um sobrinho que sofria de asma, e todas as crianças do mundo.
Aos dezesseis anos começou a trabalhar como empregada doméstica o que, é claro, não a satisfazia. Aos vinte, terminado o ensino médio, foi trabalhar de operadora de caixa em uma farmácia. Marluce ficou orgulhosa, acreditava que nesse emprego, ainda que de forma enviesada, estaria mais próxima da medicina e, em sua visão simples do mundo, quem sabe viraria atendente de balcão ou até mesmo farmacêutica... O tempo mostrou que talvez a medicina fosse um alvo longe demais e Marluce contentou-se em fazer um curso, quando o dinheiro desse (porque por enquanto ele só desce), de auxiliar de enfermagem.
O tempo foi passando e o máximo que conseguiu foi operar a máquina de cartões. “É crédito ou débito?”. Em casa, à noite, assistia à novela, se emocionava sem ter que viver. Não tinha namorado e isso, lá no fundo de seu silêncio, lhe incomodava um pouco. No entanto, os homens eram importantes mas em um segundo plano; seus sonhos profissionais vinham primeiro. Na hora de dormir ficava um bom tempo deitada, pensando no que não tinha acontecido. Procurava lembranças de aconchego mas não tinha como facilitar o presente vivendo de um passado que não houve. Sua sorte estava no futuro.
Em um domingo, após o sermão do pastor, uma amiga veio falar-lhe. Contou que tinha arrumado emprego como camareira em um hotel e que havia outras vagas. Tinha tíquete e tinha vale, além do salário ser quase o dobro. O horário não era fixo mas Marluce conseguiria juntar mais rapidamente o dinheiro do curso. “Onde é?”, “Perto, na Barra”. Ok. No final daquele dia, foi deitar-se apreensiva.
Segunda-feira de manhã, Marluce não foi para a farmácia. Ela e a amiga pegaram o ônibus, meia-hora pela linha amarela, Barra da Tijuca. O “hotel” da amiga era, na verdade, “um hotel de encontros amorosos”, como sua mãe dizia. Por um momento Marluce estacou. Afinal o que era isso em que a amiga lhe metia? “Anda Marluce, deixa de ser boba! É só um trabalho, virgenzinha!”. Marluce foi em frente, olhou em volta. Área examinada, moça analisada, emprego ofertado, trabalho aceito.
23 comentários:
AMO contos tão próximos! Não da minha realidade, rs! Diria então contos possíveis! Já escrevi coisas assim... quero mais!
Beijão!
E a curiosidade agora de saber o final...
Sim, fiquei curiosa sobre o destino da Marluce...Já tive tantas pacientes camareiras...de motel.
Então, Fred, já me desculpou do "imbroglio" que fiz com seu nome?
continue!
So far so good... bastante interessante!!
Vou acompanhar!!
Beijos!!
Oi Sagá, bom vê-la aqui. É um continho, um exercício... vai acabar no próximo trecho. Aguarde!
Anne virou Hane? ora, ora...
Já desculpei sim, "Mariana". // Pacientes camareiras de motel? ué, engravidavam por osmose ?!?!?
Hummm conto gostoso! Quero mais....!!!
E falando de boas escritas, vou colocar futuramente o livro, raridade que encontrei hoje na faculdade. Aguarde também!
Beijos, Soraia.
Obrigada por retribuir minha vindaki...
Passa lá outras vezes, tem sempre uma coisinha gostosa...rs...
Beijossssssssss
Todo mundo deve ter um pouco de Marluce; não que todo mundo aceite trabalhar em lugar desses.
Contos... sempre bom lê-los, quando bem escritos.
Fred,
Tenho a impressão que a estoria da Marluce tenha sido inspirada por fatos reais. Triste, muito triste.
beijos
Mas o Brasil não oferece muitos opções....E muitas confusas, tolas e desesperadas meninas encontram nesta vida o ganho pão.
Ê cronista bom esse tal de Fred, viu!
Ingrid, não é bem assim, mas você não está errada: é inspirada em fatos possivelmente reais e, pegando daqui e dali, constrói-se uma história... um "conto", como simpaticamente já chamaram. Quanto ao trabalho da Marluce, calma; não é isso que vc está pensando... O fim chegará em breve.
Ah, eu não conhecia essa sua veia literária. Vai tratando de publicar o resto da estória, que agora estou curiosa.
Fred,
o melhor dos contos, pra mim, está sempre nas entrelinhas, na possibilidade de se ler o que não está, necessariamente, escrito. Como neste trecho: "Procurava lembranças de aconchego mas não tinha como facilitar o presente vivendo de um passado que não houve..."
Gostei!!
Grande abraço.
Patrícia, obrigado. Tendo você como espelho eu deveria fazer até melhor. :-)
Teresa, pois é, me esforço em sair - de vez em quando, ao menos - do "eu" para o "ele", "ela". Preciso manter a atração do/pelo imBLOGlio né ?!?!
hum, gostei... continua logo que eu fiquei curiosa!
nossa, tem tanto tempo que eu não vinha aqui... tem uma pá de coisa pra ler... vou descendo, só não sei se vou conseguir comentar tudo, que o tempo anda escasso por essas bandas!
Sorte e saúde pra todos!
Ane, a desbocadinha do Brasil, tá bom, pode colocar lá na Gazeta o post sobre a petição da muié que não gosta da vara. Mas espero que tenha crédito... ;-)
A menina Lara, 9 anos, brincando de professora com o irmãozinho Vítor, 4 anos, resignado no papel de aluno.
Ela em pé diante da lousinha, ordena:
- Copia, Vítor!
...
Na lousa, quem sabe ler, lê:
EU ODEIO O VÍTOR!
e GO, MARLUCE, GO!
Nossa Fred tá ótimo...escreve logo o resto né, sabe que o outro blog anda tão desinteressante que o seu tá dando de 10 a zero?você deveria publicar essas coisas..
Ê, Fred, "que que isso, mermão!"
Postar um comentário