terça-feira, agosto 01, 2006

Casa vazia

No início dos anos 90 o escritor Stephen King, autor de diversos livros cujas histórias já foram transpostas para o cinema e TV, escreveu um conto chamado “Os Langoliers”, publicado com mais alguns em uma coletânea intitulada, no Brasil, “Depois da meia-noite”. King, como se sabe, é um escritor de enorme sucesso mundial, comumente descrito como “um mestre” das histórias de terror, com elementos sobrenaturais e suspense. Lembrei de “Os Langoliers” nesse final de semana, em Minas Gerais. Explico o porquê. (E não, não vi fantasmas nem entidades do gênero. Desde já alerto àqueles porventura descrentes, medrosos ou ansiosos que é coisa bem mais frugal; mas me lembrou a tal história).

“Os Langoliers” é uma bem acabada visão fantástica da passagem do tempo e que, com a batuta de King, toma ares fantasmagóricos. A idéia apresentada pelo autor é de que o tempo (e a realidade, a tiracolo) seriam como aqueles rolos de filmes, com fotogramas dispostos lado a lado e que, sendo apresentados em rápida sucessão, dão perfeita sensação de movimento contínuo. A única diferença é que a realidade seria as imagens fixas dos fotogramas e nós, os humanos e demais seres vivos, iríamos passando, “pulando” de uma imagem para a outra. Até aí sem problemas, mas acontece que o “rolo do filme da realidade” não existiria por completo a cada momento. Os fotogramas seguintes ao atual (o futuro próximo) iriam aparecendo aos poucos, à medida que o presente fosse avançado e, da mesma forma, as imagens do passado iriam sumindo. Imagine um rolo de filme com uns 50 centímetros e uma pequena lanterna iluminando o primeiro quadrinho. Enquanto desloco o foco para a direita, as imagens seguintes vão aos poucos sendo iluminadas e aquelas que ficaram para trás caem na penumbra. O local iluminado seria o presente.

Dentro dessa idéia, Stephen King cria o cenário. Um vôo comercial desloca-se pelos Estados Unidos, de Los Angeles para Boston (costa a costa), e não consegue manter contato com o destino (nem, depois se descobre, com lugar algum) a fim de solicitar permissão para pouso. Com o combustível acabando, a tripulação decide pousar mesmo sem contato. Ao chegar ao terminal de destino, os ocupantes do avião descobrem que não há mais ninguém, que tudo se tornou um grande deserto de vida. Só existem as instalações do aeroporto e mais nada. Após muitas dúvidas e os naturais conflitos entre os personagens, descobrem ter atravessado uma “fenda no tempo” (estamos falando de histórias fantásticas, dê algum crédito!) e que aquele lugar era, na verdade, o passado próximo. Não havia mais ninguém porque “o presente” já havia deixado aquele lugar para trás. Sem ter o que fazer e nem para onde ir, os personagens se vêem dispostos a sair dali a qualquer custo (e seja lá para onde fosse) porque aquele “momento” começa a desaparecer (a idéia do facho de luz deslocando-se sobre o rolo de filme), com os “langoliers” do título aproximando-se no horizonte, como uma inexpugnável e impiedosa faixa negra, lentamente se avizinhando. A título de explicação os “langoliers” seriam, portanto, “comedores” do tempo, algum tipo de ser, ou elemento incorpóreo, que iria eliminando aqueles lugares por onde já passamos.

Toda essa história, lida há diversos anos e cuja idéia e desenvolvimento me impressionou positivamente, me veio à mente no final de semana. Você já esteve em algum lugar que conheceu, que já foi cheio de vida e histórias mas que, por motivos diversos, não abriga mais ninguém? Eu estive, nesse sábado, um pouco por acaso, daquele jeito “bem, já que você vai, eu vou lá também; afinal, no momento estou à toa”. Fui à casa onde morava minha mulher com sua família, quando a conheci há alguns anos. A casa está à venda há algum tempo e fomos lá a propósito de alguma manutenção que devia ser executada. Desde que sua mãe se mudou eu não tinha voltado ao local. É interessante observar os cômodos vazios, onde antes existiam camas, sofás, mesas, geladeiras. Uma casa grande, construída por seu próprio pai (meu sogro, que não logrei conhecer), e que abrigou por tantos anos as emoções de tipos e intensidades variadas de uma grande e unida família. O que se vê agora são armários com as portas abertas, uma ou outra caixa vazia deixada para trás, um sofá e o inevitável pó que repousa pelas tábuas corridas das salas, a despeito de eventuais limpezas.

Cheguei à janela do quarto onde outrora eu dormia, no segundo andar, e a sensação de abandono de um tempo passado aumentou. A casa do outro lado da rua, que também era habitada por diversas pessoas e inúmeros cães (coisa que muito me chamava a atenção) também ficou vazia. A sensação não é de completa ausência de vida porque a rua é bem movimentada. Mas concentrando-se naquela pequena casa do outro lado, seu quintal vazio (até as plantas sumiram!) e nos cômodos silenciosos da antiga casa posta à venda, lembrei-me dos langoliers e de nossa incessante marcha pelo rolo do filme, pelos cenários do tempo, orando para que sejamos um sucesso de bilheteria e o diretor-executivo resolva fazer muitas continuações.

5 comentários:

Anônimo disse...

Mininu eu vi um episódio do Twilight Zone( é assim?)... esqueci o nome em português, que era parecido, só que eram uns bonequinhos construindo o tempo, deve ter sido inspirado nesse livro...
Mas como boa doida que sou, fico imaginando coisas assim como a passagem do tempo...
Saudade de vir aqui sô!! hehehehe!
Beijos!!

Anônimo disse...

eu conheço essa história! também li há algum tempo e depois fiquei pensando que sempre tinha um langolier atrás de mim!!! que sufoco!

Anônimo disse...

Oi Fred. Ah, então eu quero ser muito sucesso! não cortem minhas cenas não! quero continuações! rs(mas sério, adorei. To aqui pensando nisso). Um beijo!

Sara Graciano disse...

Oi Frederico, obrigada pela visita e o comentário no 'Who cares'. Na verdade vc chegou até lá pelo meu blog e tinha um link daquele meu post do ex-namorado viajante a buenos aires.
Bjs
Depois vou dar uma olhada a mais por aqui.

Anônimo disse...

Fred esse texto tá bárbaro..eu vi esse filme....mas agora , depois de te ler quero ver de novo...como é mesmo o nome?Como faço para salvar esse seu texto?