terça-feira, outubro 31, 2006

Houve um anjo no meio do caminho. Ainda bem.

No final de semana li que algumas famílias daqui do Rio já instituíram um "código de emergência" contra os telefonemas-trotes, cada vez mais comuns, que noticiam um acidente com algum "ente querido". (Para quem está longe e ainda não sabe, bandidos - muitas vezes de dentro de prisões! - ligam aleatoriamente para um número e, inventando uma história qualquer [se dizendo ser da companhia telefônica, por exemplo], obtêm informações sobre os moradores da casa e depois se colocam a fazer chantagem. Noutras vezes se dizem ser do corpo de bombeiros ou da polícia e que estão com um "ente querido" desfalecido em algum acidente na rua. Pedem para confirmar tipo do carro e nome de pessoas - geralmente filhos - e, de posse dessas informações, exigem dinheiro). Algumas famílias, portanto, criaram códigos, como dizer que está com asma ou outra frase qualquer, que provem que a pessoa está, realmente, em poder de seqüestradores. (É assim a vida na selva; não se assustem, vocês de longe)

Estava a pensar sobre esses casos e lembrei de algo incrível que ocorreu há algumas semanas. Encontrávamos eu e um amigo, além de nossas mulheres, em um bar na gávea. Eu e ele conversávamos justamente sobre esses casos de trotes quando seu celular tocou. Ele examinou, o número era "oculto" (como costuma ser nesses casos de extorsão) e era uma ligação a cobrar (como sempre é). Resolveu não atender. Não demos muita bola para isso, continuando a conversar. Uns dez minutos depois, toca novamente. Nova ligação de número oculto e a cobrar. Ele atende. Foi inacreditável: "Boa noite... aqui é do corpo de bombeiros. O senhor possui algum ‘ente querido’ (não sei o motivo de sempre dizerem "ente querido") na rua a essa hora?". Meu amigo solicitou algumas informações e o sujeito acabou desligando. Então, não custa lembrar: não acreditem em ligações terroristas. Certifiquem-se sobre qualquer informação antes de tomar qualquer medida. Se começarem a fazer ameaças, simplesmente desliguem.

Mas para não ficar só nesse tema sombrio e inoportuno (mas de citação necessária para a prevenção), mudo absolutamente de foco, mirando um assunto que nos faz ser gente de verdade e não apenas bestas vestidas:

Hoje, 31 de agosto, Carlos Drummond de Andrade faria, se estivesse vivo, 104 anos. Um mineiro que aos trinta e poucos anos veio morar no Rio de Janeiro e que soube, como poucos, observar a alma humana, nosso comportamento, suas aspirações, tristezas e paixões. A conflituosa rotina da vida, aqui e alhures, fê-lo (ih, me inspirei!) escrever o "Poema de sete faces" onde, já em sua primeira estrofe, Drummond demonstrava o embate entre seu interior e o mundo: "Quando nasci, um anjo torto / desses que vivem na sombra / disse: Vai, Carlos!, ser gauche na vida." (do francês, "esquerdo", "torto", "inepto", ou seja, neste sentido, aquele que está à margem da realidade e com ela tem dificuldade de se comunicar).
No turbilhão do cotidiano, são esses "gauches" que nutrem nossa alma de energia, bem-estar e esperança. Escrevi que o poeta e cronista Carlos Drummond completaria 104 hoje. Mas ele está aqui, de fato, já que sua mensagem (sua essência) está à nossa volta, para sempre. Amém.

9 comentários:

Anônimo disse...

Fred,

Em todo Brasil rola esses telefonemas????????Aqui tem algo semelhante, alguém telefona dizendo que você ganhou , isso e aquilo, e pede para você dar o numero do seu cartão de credito. Muitas vezes dizem ser de um programa de tv para dar um toque.
beijos

Ane Brasil disse...

Bem lembrado o aniversário do Drummond!
Grande Drummond!
São caras como ele que fazem a vida ter alguma cor!
Ah, quanto aos telefonemas, não é privilégio do Rio não. a moda já chegou em porto alegre. nossa família já desenvolveu um código.
Sorte e saúde pra todos!

Frederico disse...

Ingrid, pelo que a Mercedes contou logo acima, ao menos em SP rolam esses telefonemas também... Olha, o que não faltam são golpes. Terra Brasilis tão maravilhosa (mas perigosa...). Agora, será que alguém dá, por aí, o número do cartão de crédito? "santa ingenuidade batman!"

Frederico disse...

E, Ingrid, pelo testemunho da Ane, (a desbocadinha do Brasil), vemos que chegou também a Porto Alegre.
;-)

Felipe disse...

Cara, isso tá rolando em Brasília direto. Aconteceu comigo há duas semanas e, na hora que o cara veio com esse papo, eu comecei a xingá-lo de malandro, filho da puta, bandido, traficante, etc. E o cara, depois de alguns xingamentos, resolveu admitir que era golpista e ainda tirou onda: "ah, eu já tirei seu dinheiro mesmo, tô te ligando a cobrar, otário". Eu ainda fiquei falando que ele nao ia passar de 30 anos de idade, porque bandido tudo morre cedo e o PCC ia matá-lo. Sabe o que ele disse: "Paulista é tudo mala". Tive que concordar. E desliguei. Puto da vida. Foda é saber que muita gente (principalemnte as pesosas mais velhas) caem nessas paradas.

Abração

Hane disse...

O blog tá crescendo, hein? Até o Campbel tá por aqui.
Enfim, esses telefonemas ocorrem em todos os lugares. Eu simplesmente não atendo número que não conheço. Principalmente depois da tentativa de sequestro-relâmpago (foi terror e pânico, teve até troca de tiros).
Sobre Drummond... ah, ele continua maravilhoso com sua simplicidade e delicadeza.
beijos e bom feriado!

Frederico disse...

é... uma função dos blogs, bem evidenciada nesse post: descobrir que esse tipo de trote de bandidos é de norte a sul do país. E vai ficando por isso mesmo... e então, o que é que se faz? um absurdo.

Patrícia Cunegundes disse...

Corpo de Bombeiros ligando a cobrar e perguntando sobre "ente querido" é foda.

Anônimo disse...

Ah, eu já sabia desses telefonemas sim. Aconteceu com o colunista do blog "No front do Rio". Quanto ao Drumond, eu li uma entrevista com ele faz alguns anos, em que ele contava como foi que se interessou pela escrita. Quando tinha mais ou menos seis anos, estava brincando ao lado de sua mãe, que lia. De repente, ela começa a rir e ele pergunta o motivo. Ela disse que era por causa do livro. Ele corre para ver e responde: "mas não tem desenhos, só tem palavras!" Gracinha, não?