sábado, dezembro 09, 2006

"You're just too good to be true, can't take my eyes off of you"

Quando era bem jovem, lá pelo início da adolescência, tinha uma fantasia que me repetia com constância (mas não, não falo desse tipo que porventura pensou, essas fantasias típicas da tenra idade e do onanismo): inocente, apenas imaginava a cidade vazia, sem absolutamente nenhuma pessoa a não ser, talvez, um ou outro escolhido por minha soberana vontade.

Como num filme de ficção-científica/catástrofe, imaginava as ruas e avenidas sem carros, sem sinais vermelhos e engarrafamentos. Os shoppings vazios, com tudo o que expõem e ofecerem de graça, “pegue e leve”. As melhores casas, mansões, carrões, tudo disponível. Tudo meu, tudo eu! (além das questões do bel-prazer não haveria o atual problema da insegurança; nada de falsas blitzes, arrastões, seqüestros-relâmpago ou fictícios, latrocínios e quaisquer outras "instabilidades de caráter" a que todos estão expostos – até a presidente do Supremo Tribunal)

Talvez outras pessoas tenham idéias assim na infância ou adolescência ou, quem sabe, através da vida. Eu, ao menos, consegui me livrar delas pois afinal, de que serviria um mundo, esse mundo que conhecemos, sem ninguém? Um mundo de tamanho silêncio que, mesmo longe da praia, seria possível ouvir as ondas quebrando nas avenidas à beira-mar. Um mundo onde não haveria ninguém para produzir a variada gama de alimentos que desfrutamos. Um mundo onde não haveria ninguém para produzir a necessária energia para fazê-lo funcionar, ninguém em usinas nucleares, termo-elétricas ou hidrelétricas. Que noites silenciosas e negras teríamos! E quando os alimentos estocados nas residências, restaurantes, mini, super e hipermercados começassem (e seria rápido, bem rápido) a estragar e apodrecer, quantos organismos infecciosos não apareceriam? E com as águas das piscinas e reservatórios paradas, sem limpeza ou bombeamento, que variedade de doenças não iriam produzir? Ainda: o que falar dos remédios nas farmácias perdendo, cada um a seu turno, a validade e eficácia?

Não haveria, portanto, energia elétrica, saneamento, água potável, limpeza urbana, manutenção de estruturas, controle de pragas ou zoonoses. Não haveria combustível para viajar para outros lugares (lembrando que mesmo se fosse possível alcançar – sem energia elétrica – o combustível nos tanques dos postos, ele também se deteriora em poucas semanas ou no máximo alguns meses) e nem ninguém para comandar os navios ou aviões (nesse aspecto, também não haveria controle aéreo mas ao menos isso seria dispensável; diferente de agora). Clínicas, médicos ou hospitais só existiriam na, então, apavorada lembrança.

Assim, as cidades – pequenas ou grandes - seriam áreas proibidas, repositórios de inúmeras doenças e seus transmissores. Teríamos que fugir para o campo, uma área rural longe do que atualmente significa “civilização”, levando conosco apenas o que fisicamente conseguíssemos carregar ou, no máximo, até onde a autonomia dos carros nos garantisse ir (desde que tivéssemos suas chaves; “ligação direta” é coisa só dos velhos filmes já que agora eles – os carros – nem mais aceitam esse “truque” e, ademais, quem aí sabe fazer ligação direta?), e lá tentaríamos preservar nossas vidas não sem antes desempenhar um esforço enorme a fim de manter o equilíbrio psicológico.

-o-o-

Essa fantasia juvenil, exposta agora, tardiamente, é apenas para mostrar o quanto precisamos e dependemos do “próximo”, desde que cada um dos próximos desempenhem satisfatoriamente seus papéis. Jean-Paul Sartre bem observou que “o inferno são os outros”, por sua potencialidade de apontar nossas falhas e erros, servindo como perfeitas consciências que, usualmente, podemos teimar em deixar de lado e porque “os outros” são, muitas vezes, o anteparo que dificulta ou impossibilita a concretização de nossos projetos. No entanto, no ponto onde chegamos, eles são de importância capital. Vital, ao pé-da-letra.

(Posfácio: Dito isso, não tenha medo de sair à rua dizendo para cada um que vir: “eu não vivo sem você!”. Errado(a) você não estará. Talvez seja, apenas, mal interpretado(a). Dou-lhe uma idéia: imprima – e traduza, onde necessário – uma cópia desse texto e, antes que seu interlocutor consiga dizer algo, visto que estará boquiaberto, atarantado, enfie em sua boca o texto e saia correndo para repetir a cena com mais alguém)

19 comentários:

Frederico disse...

Engraçado isso: o último comentário do post abaixo (já distante no tempo, admito) foi feito hoje, no mesmo dia em que escrevo e publico esse presente texto. Pois então, vontade de mãe é "tiro e queda": mesmo sem ter lido seu comment - só fui publicar os últimos comentários após escrever o post atual - aí está, d. Ligia; uma atualização ao estilo "we are the world" ("iarnuou", conforme a menina do Big Brother)!

Giulia disse...

Pósfácio sensacional, Frederico, um verdadeiro happening! Uma dessa sai no Fantástico e você vira notícia sem passar pelo Big Brother, rsrs.

Anônimo disse...

Engraçado, sempre tive esse pensamento também. Aliás, minha irmã e eu ficávamos horas de sábados-à-tarde em devaneios de "como seria bom entrar nas lojas e pegar todas as roupas legais e comer no mc donald's sem ter que pagar".
E logo depois pensávamos que não seria tão legal assim porque nós é que teríamos que preparar nossos mc sanduíches porque já não haveria ninguém por lá....

Anônimo disse...

Fred, fui faz parte da minha turma um caixeiro pensante........gosto disso!

beijos

Suzi disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Ane Brasil disse...

bem, experimente sair as ruas de porto alegre num dia de jogo da seleção brasileira em copa do mundo... é uma experiência próxima.
Sim, já tive esse devaneio.
(quanto a questão da sobrevivência, leia " o ensaio sobre a cegueira, do Saramago... dá mais ou menos uma idéia do caos que seria)
Bem quanto ao posfácio.... mermão, antes de terminar a frase já teria sido coberta de porrada.
sorte e saúde pra todos!

Frederico disse...

Ane, sair pelas ruas cariocas em jogo da seleção na Copa é como aí no RS. É tão vazio que nem tiroteio tem, imagina! ;-)

Denise S. disse...

A gente precisa do outro e não precisa, não é mesmo, Fred?
Ninguém vive só, mas nesta densidade demográfica tb é exagero; ninguém precisa do outro o tempo todo, mas em certos momentos a solidão é fatal de tão dolorosa; às vezes, voz de gente cansa, mas o silêncio alongado tb.
Então, o que fazer? Aí está a arte de viver...

Denise S. disse...

belo texto!

Frederico disse...

A arte de viver - e em diversos casos sobreviver - é esse tal equilíbrio, coisa bem difícil já que há tanto pendor nesses dias em que vivemos.

Anônimo disse...

Você está inspirado, hein!!! Apoiadíssimo seu ponto de vista.

Anônimo disse...

Frederico,
peço licença e inauguro minha participação aqui em seu ImBLOGlio. Belo texto! As idéias, tanto da cidade vazia, quanto da valorização do próximo desconhecido, são excelentes expressões da essência da humanidade, embora contraditórias. Uma externa o egoísmo, enquanto a outra o altruísmo. Ambas, são geniais e quase absurdas. Quem cresceu, como eu, em um misto de canteiro de obras com cidade quase cenográfica (nasci, me criei e moro ainda em Brasília) em algum momento vivenciou a sensação de cidade 'fantasma' e provavelmente descobriu a importância do(a) outro(a).
Abs

Jade disse...

Que viagem!! Eu nunca tinha pensado nisso não viu? Talvez porque eu de cara já pensava que tinha que existir alguém prá fazer as coisas que eu não sabia ou podia fazer...
Mas não dá prá sair dizendo por aí "eu não vivo sem você!". Infelizmente tem muito maluco por aí!! hehehehe!!
Eu mudei de blog, o blogger.br tá há 3 dias fora do ar eu heim!!
Sou sua vizinha agora: http://newcinderela.blogspot.com
Beijos!!

Anônimo disse...

Fred, vim ti dar um super abraçooooooooo, obrigado pelo comentario tão lindo, sem esquecer das Minas...

Você é realmente muito sensivel!
beijoca

Jonas Prochownik disse...

Fred, eu nunca fui uma Blanche Dubois que "dependia da bondade de estranhos".
Só dependo de mim mesma e de alguns homens apaixonados e principalmente muito generosos.
Beijos
Kristal

Frederico disse...

Rogério, bem-vindo. Pois essa referência a Brasília é ideal mesmo. Uma cidade que surge pronta e vai tomando vida a olhos vistos, literalmente. // KRIStal, mas Blanche Dubois já é muita tragédia... muito fundo do poço. ;-)

Anônimo disse...

HAHAHAHA!
Eu voltei!
E com novo endereço: caixadechocolate.blogspot.com!!!!!
beijos

CrissMyAss disse...

Não haveria saneamento básico porque não haveria tanto esgoto, existindo apenas você como humano. Do cocô dos bichos a natureza sempre se encarregou, do contrário nem existiríamos.
Não haveria limpeza urbana porque não haveria sujeira urbana.
Não haveria manutenção das estruturas porque não haveria estruturas a manter.
Ou seja, seria tudo muito ruim se de um momento para o outro todos deixassem de existir.
Mas não seria assim tão mau se eles nunca tivessem existido... Mas daí você começaria a se sentir solitário e pediria ao papai do céu uma companhia, ele te arrancava uma costela e pronto: confusão formada!

Denise S. disse...

Kristal, já escrevi sobre esta frase de Blanche Dubois num texto chamado "Das delicadezas e de suas estranhezas". Lá no "quieta".