segunda-feira, abril 10, 2006
"Santa, santa mesmo" ou "Neuróticos!!"
Começa a "so called" Semana Santa e posso dizer que é verdadeiramente santa. Esquecerei por todos esses dias o caminho da labuta, voltando só na longínqua próxima segunda-feira. Por ora, uma história ocorrida há algum tempo:
Dia desses passei por dois adolescentes no momento em que cruzávamos, os três, uma vitrine repleta daqueles tênis modernosos, chamativos e estranhamente caros. Um dos rapazes vira para o outro e declara: “olha que tênis neuróticos”.
Qualquer coisa virou “neurótica”. Faz parte do vocabulário de parcela dos jovens e outras pessoas nem tão novas. Não sou exatamente contra, embora sinta um certo pesar quanto à extrema pobreza de vocabulário de uma parcela da população, bem como pela facilidade com que essa mesma parcela adere ao próprio vocabulário termos de estação, repetindo-os umas 459 vezes por hora. Um fácil exemplo é “é ruim, hein”, coletado, salvo engano, de uma personagem de novela. Aliás, não é necessário pensar mais que alguns segundos para lembrar de “pra geral fazer” (servindo qualquer outro verbo no infinitivo: geral ficar, geral comer...) ou “fala sério”, passando pelo “ninguém merece” ou sua versão estendida: “fala sério, ninguém merece”. No meio da bandidagem não mais se anuncia “é um assalto! mãos ao alto!”. Que nada: “perdeu, perdeu” resolve bem a situação. Por sinal, acabo de ler que tal expressão foi dita entre deputados, quando da aprovação do relatório final na CPI dos Correios. Imagina, “Perdeu, perdeu (vossa excelência)!”...
Mas não quero falar desses termos e figuras políticas.
Voltemos ao “neurótico”.
Em Minas Gerais seria dito algo como “olha que tênis massa”. Por lá, massa é quase tão popular quanto “trem”. Massa, na verdade, não é gíria “de estação” nem de um grupo. “Massa” é oficial. Um jeito ítalo-mineiro de ser.
Seguindo pela calçada dos tênis neuróticos, fui pensando nos termos utilizados através dos anos para demonstrar interesse por determinado bem ou situação; não sou capaz de lembrar de um grande número, mas estou certo de que há pouco tempo o sujeito teria dito “olha que tênis sinistro”, pois tudo era sinistro, parecia que tudo era uma ameaça, nebuloso, escurecido. Muito estranho.
Teve (e ainda anda por aí) o “irado”. Acho que pode-se classificar de prosopopéia. “Muita irada essa onda”. Imagino uma onda muito nervosa, xingando, subindo pela Princesa Isabel, inundando o Rio-Sul e o Mourisco. “Só de raiva”.
Anos atrás diria eu para o amigo: “olha que tênis maneiro!”, termo que, confesso, ainda utilizo, embora me pareça um tanto anacrônico frente aos meus 30 e tantos anos. Acho que já estou mais para “veja que belo e garboso tênis!”.
Passando por bares neuróticos e farmácias sinistras, encontro o termo “chocante”. Não sei precisar de quando ele é; não sei se dos meus anos adolescentes ou de pouco antes; no entanto acho apropriado para expressar admiração por algo. “Chocante” me parece bem próximo de “veja, que tênis extasiante!”, embora eu concorde, como você, que essa frase seria ridícula.
E, enfim, arriscando voltar um pouco mais no tempo, chego a um termo que resumia a mesma opinião frente a algo, mas sua utilização necessitava de termos “auxiliares”, por assim dizer. Imagino nos idos de 1965, fãs da jovem guarda, numa calçada da Avenida Copacabana dizendo: “bicho, esse tênis é uma brasa, mora ??!!”. O termo era “brasa” mas a declaração é recheadíssima de significados extras. “Bicho”, “mora”... Que época fértil para gírias! não sei se é pela distância no tempo, mas as acho simpáticas.
No amontoado de termos da atualidade, formando a “Absolutamente Nova Gramática da Língua Portuguesa”, abro exceção para uma expressão. Acho grande invenção (embora nunca tenha usado – não por pudor e sim porque sempre me vem algum outro à mente antes dele). É o “já é”.
Se o consagrado “já era”, é negativo, expressa término, fim, por sua vez o “já é” inverte o sentido. “Já é” indica concordância e traz consigo a sensação de movimento, de realização imediata de algo em comum.
Imagino que, como os “a nível de”, “é ruim, hein” ou “ninguém merece”, o “já é” possa definhar até encontrar sua hora final em meio aos futuros e inevitáveis “tênis neuróticos”.
No entanto, deixo consignado: para mim, “já é” é maneiro.
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