quarta-feira, agosto 30, 2006

Hope you guess my name

Sei que as pessoas, em geral, não querem entrar em blogs para se estressar com assuntos graves. Há uma natural predileção por questões leves e, de preferência, recheadas de humor. Mas hoje não vou corresponder a essa espectativa.

Preciso falar sobre isso que se vê na foto acima, capa do jornal O Globo dessa terça-feira. Sei que tal cena se repete diariamente no mundo e, em especial, no Rio de Janeiro. A diferença é que na maioria dos casos não há a lente da imprensa – ou lente alguma. Como a Pietá, a mãe chora a morte do filho, em sua dor inconcebível. Poderão dizer, como autodefesa: “É uma tragédia mas, ah, acontece a todo momento e sabe-se lá o motivo do assassinato. Ouvi dizer que foi encomendado...”. Sim, nossos corações se petrificam para manter algum equilíbrio na mente já que insistimos em conviver com a insanidade dessa sociedade toda errada, ao avesso, revirada, amarfanhada, mofada.

Mas, espere, o dia não terminou! à tarde, completou-se a barbárie; chegou nova notícia: na noite de segunda-feira as pernas de uma mulher, empresária, foram encontradas em um saco, em botafogo. Ao lado, sua bolsa, com todos os documentos e pertences, para haver certeza de que o fragmento de corpo seria rapidamente reconhecido, como se o homicida dissesse “sim, não tenha dúvida. É ela”. “Ela”, uma senhora de 50 e poucos anos que havia sumido desde a manhã de segunda. A família estranhou quando ela não apareceu no aeroporto às 18:30 horas para se despedir da filha que foi passear em Buenos Aires. Perto da meia-noite, o pai, junto ao que encontrou da mulher, liga para a filha na Argentina e transtornado, de acordo com o jornal, explica: “Aqui está tudo mal; sua mãe está morta”.

Ao motivo, ao modo, à execução do fato, nem quero me ater. Penso apenas em questionar sobre “onde vamos parar” mas, posso me dar ao luxo de achar que ainda há um destino? já não chegamos à estação terminal? há algo além? o que há por baixo disso? há lugar pior, há dor mais lancinante? há pesadelos mais sombrios, desamor mais profundo, desapego à vida alheia mais abissal? Ah... não... quero me desvencilhar desse assunto, não posso me concentrar.

Me vêm à mente “Sympathy for de Devil” e “Welcome to the Jungle”. Por ora, não é nada mais além disso. Sinceramente, me desculpe.

Please allow me to introduce myself / I'm a man of wealth and taste / I've been around for a long long year / stolen many man's soul and faith // Pleased to meet you / Hope you guess my name... / But what's puzzling you / Is the nature of my game (Por favor, deixe-me apresentar / Sou um homem rico e de bom gosto / Estive por aí por muitos anos / Roubei a alma e destino de muitos homens // Prazer em conhecê-lo / Espero que adivinhe meu nome... / Mas o que está o intrigando / É a natureza de meu jogo)

Welcome to the jungle / We got fun 'n' games / We got everything you want / Honey we know the names / We are the people that can find / Whatever you may need / If you got the money, honey / We got your disease (Bem-vinda à selva / Nós temos diversões e jogos / Nós temos tudo que você quiser / Querida, sabemos os nomes / Nós somos as pessoas que podem encontrar / Tudo o que você precisar / Se você tem o dinheiro, querida / Nós temos sua doença)

17 comentários:

Serjão disse...

Há duas coisa a serem analisadas. Primeiramente o crime em si. Desculpe, Frederico. Mas é preciso muito mais para me surpreender nesta cidade. Foram dois crimes horríveis, absurdos, tocantes mas é uma mistura de frieza com resignação que eu infelizmente tive que desenvolver para continuar sobrevivendo. Entendeu agora pq eu elogiei o trecho do texto que vc escreveu sobre os argentinos? Por isso é que meu único sonho de consumo me mandar daqui. A outra coisa é a divulgação. Se as pernas de uma cidadã aparecerem em santa Cruz e a cabeça em Campo Grande ninguém liga a mínima e talvez só Extra dê uma nota. O que se espanta é que até os nichos de bem estar em termos de segurança têm sido invadidos. E eles existem no Rio de Janeiro. Só não sei até quando.

Frederico disse...

Exato, Sérgio. É como falei sobre "a lente da imprensa"; a gente se choca ainda mais e, no final das contas, acaba sabendo disso porque é na zona sul, na porta de casa. Essas barbaridades ocorrem a todo momento, quase que literalmente. E a polícia já pegou o sujeito que serrou a mulher (pelo que li no jornal, talvez não encontrem "a parte de cima" - caramba...), detalhes no jornal de hoje, em destaque (aí está mais uma diferença da barbárie distante; a investigação é eficiente). Há um tempo escrevi aqui sobre "As dores do Brasil" (é esse o título) sobre, entre outras coisas, a morte de um rapaz, que não saiu na imprensa mas chegou a mim através de um processo judicial trabalhista. Tudo muito errado. Tudo. Melhor falar de amenidades. Ou não? ...

Frederico disse...

Se alguém tiver interesse, foi em 11 de julho que escrevi. O link direto é esse http://imblogliocarioca.blogspot.com/2006/07/as-dores-do-brasil.html .

Anônimo disse...

Acostumar-se é atroz. Acho que isso acontece como mecanismo de sobrevivência. Fico imaginando o impasse atemporal que é o de sobreviver aos medos e aos perigos. Fico pensando que, ou escolhemos atravessar a floresta, apesar dos leões, ou nos condenamos às nossas cavernas, presos aos labirintos sem fim dos perigos de existir. Não sei o que sentir. Sequer estou conseguindo me expressar agora.

Frederico disse...

Claudia, ontem tentei escrever em seu site mas não consegui. Deve ser algum problema relativo à conexão no meu trabalho. Hoje certamente voltarei lá. Me impressionou positivamente algumas coisas que vi lá como, por exemplo, aquele texto do qual vc é "mãe". Muito me honra tê-la aqui. Em relação ao post... nem queria ter escrito sobre isso mas não consegui. Vivemos muito próximos a fatos e atos sinistros, maquiavélicos, macabros. Essa pior natureza humana tem-se mostrado sem pudor algum.

Anônimo disse...

Quando vi essa foto nojornal me deu um nó na garganta..acho que a pior dor do mundo é a da mãe que perde seu filho principalmente dessa maneira. Eu li o artigo ao qual você se refere Frederico, é muito bom. Sabem de uma coisa? O filho da minha empregada foi morto e depois queimaram o corpo , ela nem pode fazer o enterro por isso,aconteceu na Maré, alguém soube? Claro que não, ele era de lá, da Maré, apenas mais um.

Anônimo disse...

Olá, como estás?? Terminei de ler a reportagem no jornal e percebi que por mais que eu esteja anestesiada pela violencia diária e por mais que meus sonhos sejam embalados pelos tiroteios da favela próxima, passei boa parte do dia pensando no que foi a tarde daquela senhora e tentando entender o que se passou na cabeça do lépido assassino. Sim, pois vejo prazer em seu olhar no jornal. Como quem quer dizer “Sim, fiz mesmo, sou foda, não acham??!!!” E como você disse, nessas horas sempre nos perguntamos: O que falta acontecer?? Sei lá.. até segunda feira eu achava que não faltava mais nada. Mudei de opinião.Não fazemos idéia do que pode acontecer, do que pode nos acontecer. Vamos continuar nossa vidinha..É o melhor que pode nos acontecer. Beijo

Frederico disse...

Teresa, houve uma estagiária aqui,há mais de um ano, que morava numa daquelas favelas do complexo da maré. Atrocidades como essa são comuns lá. "Comum" é a palavra, nada exagerada nesse caso. Olha, a gente fala disso aqui mas tem que abstrair senão não vivemos direito.

Frederico disse...

Tive uma impressão próxima a essa, xabi. Com certeza o cara acha que sua reação foi condizente com a humilhação que sentiu perante a "madame".

Serjão disse...

nem queria mais abordar este assunto mas vamos lá.
Cláudia:
Primeiro o ideal seria arrumar uma floresta melhor para se atravessar. E elas existem a quatro horas de carro daqui. Por isso que eu não acho que seja um problema do país e sim dos grandes centros urbanos por "n" motivos. E outra coisa é esta coisa meio Marseillaise de resistir e avançar. Na boa. É muito fácil quando se é solto na vida. (nem sei se é o seu caso, não estou fulanizando a questão. Não me atrevo a julgar ninguém. Falo em tese) Eu mesmo me espanto do que fazia quando era mais jovem.Quando se tem família a responsabilidade é outra, Cláudia. Pelo menos a minha é. Abração

Patrícia Cunegundes disse...

Eu sempre arrumo um jeito de falar muito mal de Brasília para os meus amigos qdo estou no Rio, porque eles não conseguem entender como eu sou capaz de morar aqui. Sou capaz porque aqui ainda é um nicho de bem estar e de tranqülidade dentro desse país cheio de atrocidades. Claro que temos assalto a mão armada, seqüestro relâmpago (conheço vítimas, inclusive), assassinatos... Mas ainda dirijo com o vidro do carro aberto e paro no sinal vermelho depois das 22h. Realmente foram crimes lamentáveis e a foto da mãe com o filho morto no colo é chocante. Mas também concordo com o Serjão que, se os crimes tivessem acontecido Baixada, na Zona Oeste ou em outro subúrbio, teria saído uma nota no Extra e olhe lá. Mas eu ainda fico indignada, viu! Não consigo me acostumar com essas coisas.

Anônimo disse...

A realidade é que temos que viver, não podemos nos deixar arrastar por esse abismo que nunca termina, não podemos nos deixar dominar mas por outro lado sabe, fico feliz de ver que aqui no blog tem muita gente que não está "acostumada" com isso, que interiormente reage aessas barbaridades,que ainda é ser humano, essa é a esperança, que as pessoas não se deixem endurecer... é bom que nos sintamos mal, é bom que seja um assunto meio down, claro que é down, imagina a gente conversar sobre isso sem sentir nada...isso sim seria o fim da linha

Anônimo disse...

Seja no Leblon ou na Maré, quem tem filho engole seco ao ver uma foto destas...

Hane disse...

Depois de ter passado por um momento de violência urbana que teve um final feliz, agora vivo estressada. Entro no carro correndo, fecho o vidro quando paro, monitoro tudo por celular... enfim, virei um refém.
Mas quando vejo um negócio desses fico tão chocada e acho que meus problemas e traumas são tão pequeninos e que tem tanta gente que sofre mais do que eu e que já passou por coisas muito piores.
Ainda tenho a capacidade de ficar indignada e gostaria muito de fazer alguma coisa pra mudar isso.

Anônimo disse...

Com tantos absurdos e aberrações no Brasil, nossas conversas, "reais" ou virtuais, acabam por se tornar monotemáticas. Ficamos boquiabertos com tanta insensatez e, ao fim, pensamos "o que fazer?". Sim, podemos (e devemos!!) monitorar o entorno, monitorar a família e orar. Mas e para tentar melhorar substancialmente, o que fazer? aí é mais difícil. Um primeiro e tênue passo, mas que todos podem dar, é fazer o próprio papel da melhor forma possível. Com trabalho e educação (a despeito de parecer declaração de candidato) é que se pode melhorar essa terra. (Por sinal, falando em "trabalho", andei pensando nisso sob um determinado viés. Vou contar para vocês, a seguir).

Luma Rosa disse...

Parei de ler jornal justamente pra não saber de tais notícias. Não é querer fugir da realidade, é querer preservar o meu lado que choca com essas coisas, não quero ficar anestesiada achando que é normal todo dia abrir o jornal e ler tais atrocidades.
O sensacionalismo dos jornais, a inversão de valores e consequentemente o desrespeito com a vida é produto do meio. Enquanto as autoridades não tomarem medidas pra melhorar a qualidade de vida dos menos previlegiados, isso acontecerá sempre! Sempre haverá homens animais enquanto esses estiverem sendo tratados como tal.
Bom fim de semana!! Beijus

Patrícia Cunegundes disse...

É verdade, Marisa. Nenhuma mãe fica insensível a uma foto como essa. Nossa, como fiquei tocada com essa imagem. Que dor!