terça-feira, outubro 24, 2006

Máscaras

A questão já tinha me afligido dia desses. “Afligir” é, decerto, termo exagerado, mas empresta impacto à assertiva. Tinha, na verdade, apenas pensado sobre o assunto, imaginando o que seria melhor para o convívio: se pessoas medianamente equilibradas até onde sabemos (e aí vai surgindo o problema) ou pessoas declaradamente fora de um padrão médio de “normalidade”, com algumas opiniões medianas, politicamente corretas (e “politicamente” é palavra, por seu turno, muito bem aplicada), mas que, vez por outra, tomam atitudes e posicionamentos dramáticos, difíceis de engolir ou defender.

A questão, numa abordagem ampla, antes de rumar para o particular, é a seguinte: o que é preferível, políticos como Alckmin e Lula que mantêm “as aparências”, têm discursos corretos, mas TODOS sabem que – se não pessoalmente certamente seus partidos, personificados em seus membros – têm lá seus intentos nebulosos, inescusáveis, inconfessáveis; ou preferível é o político (na verdade “para-político”, não políticos profissionais) como o general João Figueiredo que, sem o peso das urnas para lhe aporrinhar, dizia, no focinho de qualquer um, que “preferia o cheiro dos cavalos ao do povo”?

É claro que tal questão é meramente retórica. Com alguma rara exceção, preferimos Lula, Collor, Sarney, FHC ou até mesmo Garotinho (aaargh!) àqueles oficiais comandantes, mandando em tudo. Mas, retirando a questão dos “desígnios da Nação”, ficamos com algo mais flat, mais específico: melhor são pessoas agradáveis, mas fingidas, ou pessoas “rudes” porém transparentes, verdadeiras, do tipo “sabemos onde estamos pisando”? É uma questão...

No entanto, ao cabo de tanta argumentação, não era esse o ponto a que procuro chegar. Junto a isso tudo, surge em minhas silenciosas ponderações ao volante a dona Maria Dora, cuja reação à bala a um assalto, no bairro do flamengo, vem tomando manchetes da editoria Rio dos jornais e telejornais. O assunto foi bem abordado – e contado – no “zeromeiaum” (link aí à direita) da Patrícia Cunegundes, em seu post cujo título dá perfeita noção da opinião da autora e, espero, de grande maioria: “O fascista que existe dentro de cada um de nós”. Em resumo, é o seguinte: após reagir à bala a um assalto, a senhora de 67 anos foi condecorada (tenho urticária do povo do Viva Rio e seus direitos humanos para os bandidos, mas tal ato da Câmara é muito discutível...) pela Câmara dos Vereadores carioca, com uma medalha por bravura ou algo que o valha. Durante a solenidade, ontem, disse a senhora que não admite mendigos (“homeless”, para os distantes) em sua rua e que esses despossuídos deveriam ser colocados num navio e “despejados” em alto-mar.

Bom: a questão inicial (a reação à bala) é por muita gente aplaudida – todos conscientes do perigo etc e tal – inclusive por mim. A condecoração é discutível. Agora, essa declaração? Não dá para defender, embora...

E aqui retorno ao mote inicial: é tanta mentira, tanta falsidade, são tantas máscaras e falta de hombridade... Essa dona Maria Dora expôs sua opinião, dura, crua, dramaticamente “anti-política”, fascista. Mas, ao menos, é uma verdade! A personalíssima e indefensável verdade da dona Maria mas, na qualidade de verdade, quase uma redenção: alguém diz publicamente sua verdade! Dona Maria, sempre de cara fechada – ao menos nas fotos – declara (talvez pela isenção que sua idade já concede): “eu sou assim e acho isso”. (Espero não ler na manchete do dia seguinte a dona Maria se explicando. Cairia por terra essa Vênus do avesso, anti-heroína chamuscada, Derci do balneário).

E ficamos assim: loas para uma verdade, ainda que tão desarrazoada.

6 comentários:

Anônimo disse...

nao sei se vc, como eu, recebe convites para essas condecorações, medalhas pedro ernesto, medalhas tiradentes... até eu já recebi uma moção honrosa (que nao fui receber) por ter participado como cantora de uma jornada de poesia. pode isso? Essas cerimônias, medalhas, drinques e rapapés, em moeda corrente, criariam emprego para um monte desses mendigos que apavoram os que ainda têm o que perder...

Mosana disse...

Palmas para alguém que dá a cara a tapa. Seja essa verdade um agrado ou não aos outros.
Ninguém paga as contas dela né verdade?
Do jeito dela, ela até tem razão num monte de coisas.. se ao invés de roubarem tanto, os políticos cuidassem dos "homeless".. quase nem teria nenhum nas ruas para ser embarcado no tal navio da Dna Maria.
Beijos

Frederico disse...

Bom, Andrea, pelo menos vc recebeu uma medalha lá na Câmara por algo bem positivo né? agora, essa "sanha medalhística", digamos, será que tem algo a ver com a grana que recebemos vereadores? gostam tanto de soltar uma medalha que é até de desconfiar.

Frederico disse...

Mercedes, sim, repito aqui: embora estapafúrdias, são verdades. É claro que são "verdades" destacáveis e desequilibradas mas tudo é mentira daqui, dali... a d. Maria deu a cara a tapa. Aliás... "caraatapa" não parece nome de comida japonesa? shusi, sashimi, teishoku, shimeji, tempura, caratapa... :-)

Anônimo disse...

Com certeza a verdade sempre é mais esperada..o problema é que fomos criados e formados..digo o Brasil como um todo, na sua estrutura através de mentiras travestidas de verdades e de uma certa maneira nos acomodamos nelas e insistimos em mante las. Será que gostamos mesmo de ouvir verdades?

Patrícia Cunegundes disse...

Frederico, vou comentar depois com mais calma. Tô com um freela que não acaba nunca, ralação danada. Vamos "tricotar" sobre isso depois.