segunda-feira, abril 23, 2007

Fotocopiando

"O mundo me condena / E ninguém tem pena / Falando sempre mal do meu nome / Deixando de saber se eu vou morrer de sede / Ou se vou morrer de fome. // Mas a filosofia hoje me auxilia / A viver indiferente assim. / Nesta prontidão sem fim / Vou fingindo que sou rico / Para ninguém zombar de mim. (...) Quanto a você da aristocracia / Que tem dinheiro mas não compra alegria / Há de viver eternamente sendo escrava / desta gente que cultiva hipocrisia." "Filosofia", de Noel Rosa, depois gravada no início dos anos 70 por Chico Buarque.
Maturação poderia ser sinônimo de modificação. E, bem pensando, acaba sendo, já que significa amadurecimento. Digo isso porque em algum dia da semana que passou li o texto da Denise Sollami em seu Quieta Em Meu Canto - link ao lado - sobre a má atitude das pessoas em relação às outras, a baixa ética nas relações, a cultura da fofoca, do disse-me-disse, "o esporte nacional da maledicência e da malquerença; a mobilização de forças em pequenezas".

Tal reunião de idéias ficou (aí está!) maturando em minha mente. Cheguei a escrever um texto que ficou no estágio de "rascunho" sobre tal "esporte nacional", dando até um exemplo - omitindo nomes, decerto - que havia presenciado por aqueles dias, ou seja, a maledicência por ela própria, o falar mal como passatempo, hobby, questão provavelmente associada a frustrações íntimas.

Terminava o tal rascunho alertando sobre o perigo fortíssimo de embarcar nessa corrente de fluxo intenso, comparando-a com a Corrente de Golfo, que nasce do lado "de cá" do oceano Atlântico e vai influenciar no clima da margem oposta, lá para cima, na Europa. Seria, portanto, como tal irresistível corrente, um hábito quase inescapável, visto que o indivíduo se forma em meio a uma sociedade que pratica, assidua e fervorosamente, o ato do mal-dizer e da fofoca (aliada à inveja, provavelmente). E, como arremate, de certa forma defendia a cada um de nós, dizendo que as pessoas não querem imaginar que longe de seus olhos os outros (exercitando o esporte nacional) comentem sobre seu jeito diferente, sua postura... "alienígena" frente às diversas questões. Assim sendo, amoldam-se aos "valores" amplamente praticados, camuflando-se como mais um elo da ampla "rede de intrigas" e mexericos - por sinal, institucionalizados em programas de TV, jornais, revistas e, jóia da coroa, no horário nobre da Globo, no BBB, em todo início de ano. Melhor aprendizado da arte "da maledicência e da mobilização de forças em pequenezas", temos que admitir, não existe.

Escrevi mais ou menos tudo isso mas deixei no word.

A questão me voltou à mente com força após ler o texto que a jornalista Martha Medeiros escreveu na Revista O Globo do último domingo. A crônica fala de uma experiência no metrô de Washington que constou em levar um dos maiores violinistas do mundo, tal de Joshua Bell (de quem a jornalista também admite nunca ter ouvido falar), para tocar em uma estação daquela cidade. Consta que o sujeito tocou por todo o dia e mais de mil pessoas passaram por ele. Seguem-se números sobre a experiência mas o fato resumido é que só uma dúzia parou para ouví-lo e um número menor ainda jogou-lhe algumas moedas que, à vista dos passantes, era o que valia tal apresentação.

Tal experimento não visa a defenestrar os usuários do metrô, nomeá-los de idiotas que dão valor somente àquilo a que os outros dizem ser bom, ótimo ou - o ideal - excelente. Antes, procura demonstrar que até mesmo nosso senso estético pode e deve ser apurado e como se dá a valoração das coisas pelas pessoas. A jornalista afirma, possivelmente repetindo conclusões do estudo, que "só é possível valorizar aquilo que foi estudado e percebido em sua grandeza", fazendo, ainda, uma afirmação que cria a ligação com aquela primeira questão deste texto: "(Essa história) demonstra também que temos sido treinados para gostar do que todo mundo conhece".

Todos sabemos - e obviamente a própria Martha também - que não há um "gosto único". As pessoas apreciam programas variados. Mas não se pode negar que há um mainstream, um fluxo central de comportamento em uma sociedade. As pessoas, naturalmente, são influenciadas umas pelas outras e pela propaganda direcionada (e não apenas a espontânea do boca-a-boca). E de boca em boca, e reclame em reclame, as preferências e práticas vão se consolidando.

Fazemos muitas coisas porque "estão aí", estão acontecendo, estão - em suma - na moda. Então repito que, da mesma forma, podemos acabar - se não ficarmos atentos - entrando "na moda" de falar mal da vida alheia, dizendo o que muitos querem ouvir porque, ao final das contas, eles também seguem, inercialmente, "o esporte nacional da maledicência e da malquerença; a mobilização de forças em pequenezas". Não conseguiria dizer melhor.

-o-o-

Transcrevi no início destes escritos um trecho do samba "Filosofia", de Noel Rosa. De todo aquele período acho mais relevante para essas minhas idéias aqui a parte que diz "Nesta prontidão sem fim / Vou fingindo que sou rico / Para ninguém zombar de mim". É exatamente desse mimetismo imposto a todos e por todos que estive a escrever. No resto, deixo-me discordar. O aristocrata não é necessariamente um fingido, um infeliz em meio à hipocrisia. Pessoas são forjadas para diversos papéis em uma sociedade. O que é luxo e glamour desnecessário para muitos, pode não ser, sinceramente, para outros. E termino com essas considerações por ter assistido há pouco o filme "O Diabo veste Prada", cujo final achei ridículo.

8 comentários:

Denise S. disse...

Frederico, muito bom seu texto, ótima a sua reflexão. Foi mesmo uma coincidência aquele meu post (que teve uma motivação) e a sua experiência. Uma, digamos, sincronicidade, o que comprova a minha teoria que a blogsfera é uma manifestação dessa sincronicidade, de um inconsciente coletivo.
Mas, no fundo, é triste saber que meio-mundo se move motivado por tanta besteira. Às vezes fico meio sem motivação quando olho em volta.
E obrigada pelos créditos.
bjs

Frederico disse...

Não há de que, Denise. Para mim é sempre um prazer refletir sobre reflexões bem fundadas. Em outras palavras, o prazer foi meu.

Anônimo disse...

Oi Frederico, td bem?Gostei da nova cara do imBLOGlio..realmente esses últimos tempos as turbulências pessoais e profissionais me afastaram tanto do meu blog qto da leitura dos blogs amigos, q tanto sinto falta!Mas aos poucos as coisas se ajeitam, não pode deixar o samba morrer msm, hehe.

Gostei da tua reflexão e do diálogo com o samba de Noel Rosa, sempre genial. A sociedade é isso ai: representação e consumo, não necessariamente nessa ordem.

Bjs.

Anônimo disse...

É por isso que eu ando cada vez mais "alienada". Mas essa reflexão sobre o gosto "induzido", gostei, vou pensar mais. E eu tb achei ridículo o final de O diabo veste Prada.

Luma Rosa disse...

Acho que Joshua Bell teria uma outra receptividade se estivesse em um metro na Europa. O mundo pensa diferente quando não é influenciado pela mídia. Porém o meio em que vivemos nos fornece meios de analisarmos e escolhermos aquilo que melhor nos satisfaz. Joshua Bell, como eu ou você, seremos conhecidos apenas por aqueles que se interessam pelas mesmas coisas que nós. No entanto, se entrarmos em choque com o que o nosso grupo pensa que é correto, seremos alvo de críticas. Temos que estar preparados para a renovação. A fofoca nada mais é do que a confissão explícita que não concordamos com o fato. Querer destruir a imagem de alguém é assinar um atestado de fraqueza de nossa personalidade. A humanidade anda sem estrutura para agir, então, critica, faz fofoca, para esconder a própria fraqueza.
Gostei do novo lay!! Beijus

Frederico disse...

Por reflexões como as de vocês é que vale a pena escrever, colocar nesse papel virtual nossas idéias. Crescemos todos juntos. Obrigado.

Eu não sei, você sabe? disse...

isso mesmo, fred, assino embaixo de seu último post!:)

Eu não sei, você sabe? disse...

e que lástima, não me lembro do final do diabo veste prada...

minha capacidade de esquecer tudo me assombra!