quinta-feira, maio 25, 2006

Caco, o sapo

“Cinco!” respondia orgulhoso o pequeno Francisco, com a mão espalmada à frente do rosto, os dedos mostrando a idade.

Na verdade o garoto ainda não havia completado os cinco anos de vida. O aniversário era apenas dali a quinze dias mas Francisco já se sentia com cinco anos, embora sem saber ao certo o motivo de querer ter mais idade. Embora não houvesse passado o aniversário, dizia que já era "mais velho" a quem lhe perguntava a idade. Tinha descoberto há pouco a mecânica dos números, o que representava uma unidade após a outra e, para ele, cinco anos era um bom tempo de existência. “Não sou mais um neném, uma criancinha”, dizia para quem aparecesse. “Estou virando gente grande!”.

Francisco, se lhe davam oportunidade, apressava-se a contar: “Tenho cinco anos mas minha festa vai ser no sábado. Minha mãe já aprontou tudo”, exagerava, sem tampouco saber qual “sábado” era esse, se já era no dia seguinte, no próximo ou daí a duas semanas ou um mês. Sua mãe já lhe havia explicado que teria que dormir várias vezes até o dia da festinha mas ele, vez por outra, deixava esses dados complexos de lado. Existiam duas verdades: o aniversário seria no sábado e, fundamentalmente, ele tinha cinco anos. Onde quer que fosse, cinco anos. Na escola a tia já sabia: cinco; no clube do Flamengo, onde fazia natação, cinco; para o pai? cinco! até no supermercado Francisco tinha de informar à moça do caixa a sua idade: “eu tenho cinco anos!”.

Os dias passavam acelerados e ainda faltava decidir com sua mãe o tema da festa. A mãe sugeriu “arraial” pela proximidade das festas juninas e porque naquela mesma semana haveria na escola uma apresentação de quadrilha da qual Francisco iria fazer parte. “Você vai poder usar sua fantasia! eu pinto seu rostinho com rolha, um cavanhaque, bigodinho...”. “Nãooooo!!! Não quero fantasia! Não, não, não! Ninguém vem de fantasia!”, argumentava o filho, espantado e em pânico por causa da solução materna. “Quero Vila Sésamo!”. Antes que a mãe perguntassse sobre onde ia encontrar enfeites de Vila Sésamo, Francisco já saiu pulando pela casa correndo, cantando “Vila Sésamo, Vila Sésamo, eu sou o Beto e tenho 5 anos!!! O Caco vem, Ênio também e o Garibaldo!”. Corria dando risadas, subindo as escadas com seu cachorro, Apolo, até o terraço. A mãe ainda experimentou sugerir “Copa do Mundo” como tema, tendo em vista que o torneio se aproximava e, como sempre, naquele ano de 1974, havia confiança na conquista do título, o tetracampeonato. Mas Francisco já estava decidido... Pois bem, seria Vila Sésamo. O menino estava radiante com sua nova idade e sua novíssima idéia. Além do mais, pensava a mãe, seu único filho merecia ter tão singelo desejo realizado.

Na noite do dia 4 de junho Chiquinho mal conseguiu dormir. Só mais uma noite, basta dormir e pronto, acordaria com cinco anos! Durante a tarde sua mãe, auxiliada por uma prima e uma amiga (todas “tias” de Francisco) já havia começado a encher os balões. Uma moça que morava ali perto ia trazer os salgadinhos na tarde do aniversário, juntamente com os brigadeiros, olhos-de-sogra e cajuzinhos. A mãe, escondida de Francisco, havia comprado durante a semana um grande saco de balas Juquinha para serem distribuídas a valer pela casa. Ia ser uma farra de balas! A casa seria de Francisco e seus amigos da escola, toda a turma tinha sido convidada. O menino foi dormir acalentado pelo barulhinho bom da chuva fina que caía. O cheiro da terra molhada era uma gostosura. Sua mãe, antes de ir deitar-se, colocou-lhe mais um cobertor; aquele era um frio início de junho.

Oito da manhã! Francisco acordou com suaves beijos da mãe e do pai que já havia chegado e iria passear com o menino durante o dia, com a ressalva de que deveria deixar o garoto em casa no mais tardar às dezesseis horas já que a festinha estava marcada para começar às dezoito. Chico saiu com o pai que, nessa época, tinha uma moto. Para o aniversariante, passear na moto do pai, era um presente adicional . Andaram de pedalinho na Lagoa (apesar do mau tempo), almoçaram, compraram presente. Chegaram de volta à casa na hora marcada. Despediram-se e, ao menos naquele dia, Francisco não ficou triste com a despedida do pai. A festa ia começar!

Sua mãe havia colocado um Garibaldo em tamanho natural, articulado, de papelão, na porta de entrada. A casa estava toda decorada. Lá fora, a chuva apertou. Chiquinho tomou banho, sua mãe colocou-lhe roupa nova; pediu para beber coca-cola, “só um pouquinho!”.

17:50 horas; Francisco assiste à TV preto e branco na sala e sua mãe vai para a cozinha, preparar os cachorros-quentes. As ajudantes estavam atrasadas. A luz forte e repentina de um relâmpago entrou pela janela e, segundos depois, ouviram um forte trovão.

18:00 horas! “Os convidados devem chegar todos juntos! Uau, o céu desabou de vez”, pensa Ligia, mãe de Francisco. A mãe começa a ficar realmente preocupada. "Se continuar a chover assim as ruas vão encher, ninguém chega a lugar algum". Por enquanto o menino brinca despreocupadamente com o presente dado pelo pai.

18:40 horas. A chuva continua forte, ninguém chegou. “Mãe, será que ninguém vai vir?”, “Calma Chiquinho, a chuva deve passar, daqui a pouco eles chegam”, responde Ligia, sem acreditar nas próprias palavras.

19:50 horas. Sim, é seu aniversário de cinco anos. Francisco não se acha mais uma criancinha e, como "teste de maturidade", tem de encarar uma realidade da vida: há vezes em que tudo dá errado, por mais bem planejado. Ninguém veio, ninguém vai vir. Pouco depois das oito da noite o garoto chora agarrado à mãe que, por sua vez, segura as lágrimas, triste pela decepção do filho. O cão aproxima-se dos dois, compreendendo a seu modo a tristeza que o jovem dono sentia. O bolo, os balões, chapéus, línguas-de-sogra, tudo repousa inerte na casa de vila, um profundo silêncio perturbado apenas pelo ruído da chuva e da trovoada, agora mais longe. As luzes da sala chegam a piscar mas felizmente não falta luz. Os enfeites, com personagens risonhos daquele popular programa infantil, parecem definhar, como flores de véspera. A mãe tenta sustentar alguma animação, diz que vai ter muitos docinhos gostosos para eles e, juntos, cortam o bolo colorido, adornado com a cara do Caco. Francisco literalmente engole o sapo e vai dormir desconsolado. A chuva continua forte com raios iluminando a cidade maravilhosa.

A vida seguiu, como tinha de ser, mas aquele trauma acompanhou o garoto por algumas décadas.


Mais precisamente, uns vinte anos. Por espontânea vontade só voltei a fazer uma festa de aniversário, ainda assim pequena, com uns 21 anos. Apenas ao completar 25 tomei coragem; respirei fundo e saltei para o espaço: dei uma grande festa e, aí sim, o "paraquedas" abriu. Foi uma alegre reunião, com tudo o que dela se espera, conseguindo afastar, afinal, aquele espectro que me acompanhava desde a primeira infância. Mesmo assim, por mais alguns anos procurei me recolher em meus aniversários; o momento mais agudo foi quando completei 30 anos; morava sozinho, estava sozinho; sentia-me só. Mas logo depois tudo mudou, para bem melhor. Minha mulher, a extroversão em forma humana, “geneticamente” festeira, surgiu e arrancou de mim aquele complexo de vira-latas e os aniversários tornaram-se motivos de celebração. Só tenho a agradecer, reiteradamente.

(Uma observação: os personagens e argumento dessa história são bastante reais. No entanto, todos os detalhes, pequenos e médios, são – embora factíveis – licenças literárias. Na foto, Frederico Francisco e Apolo)

16 comentários:

Luma Rosa disse...

A constatação de que seja uma história real me deixou duplamente emocionada. Não sabemos a bagagem que carrega uma pessoa quando olhamos para ela e é preciso muita coragem para mostrar os medos. Finalmente conseguiu superar sua primeira decepção.
Beijus

Anônimo disse...

É por isso, então, que você não liga tanto para comemorar seu aniversário...eu naõ sei se já te contei essa história, mas eu vivi um momento exatamente igual a esse, só que 24 anos depois. Em 1998, chamei todos os meus amigos para o meu aniversário que seria num lugar chamado " Obelisco", em Ipanema. Mas era fevereiro e em fevereiro poucos são os dias que nao chove. Mas nao apenas choveu, o " mundo caiu" naquele dia. E eu própria não consegui sair da Tijuca pra ir para a minha festa. O mais engraçado é que algumas pessoas que moravam por perto conseguiram ir e ficaram me esperando ate meia noite, quando, então, pereberam que eu não iria chegar e de lá me ligaram cantando parabéns pra mim pelo telefone. Essa foi a parte legal do aniversário. Mas tudo bem, dizem os entendidos que chuva é sinal de sorte. Nossa, Fred, pensando bem. está tudo explicado agora...

Anônimo disse...

Tadinho do meu filho! fiquei triste. Você ainda sente alguma coisa? Me desculpe pela chuva. Naquele dia eu tambem chorei.

Anônimo disse...

Demoro, mas não falho..
Deixo aqui um agradecimento por deixar nossas vidas mais leves, mais alegres. Você é muito bom!
Passei por uma situação bem parecida com a sua. Até hoje, sinto medo de comemorar aniversários!

Anônimo disse...

Amor, fico feliz por conseguir fazer você querer celebrar essa data tão linda que é o seu aniversário!Tenha certeza que todos os anos essa data será festejada e sempre com muita ênfase!Parabéns !!!! Felicidades!!!Saúde!!!Paz!!!...e muitas festas em sua vida!

Frederico disse...

Carla, os melhores saltos - ao menos os que mais chamam a atenção - são aqueles em grupo, formando aquelas estrelas enormes; você sabe, não é? pois pode contar conosco, no que pudermos ajudar, para fazer o seu pára-quedas abrir também. Vamos respirar fundo, fechar os olhos, fazer uma corrente de mãos dadas e saltar. Vai dar certo.

Anônimo disse...

Na maioria das vezes, não imaginamos o que as pessoas trazem na sua bagagem de vida, escondido no armário da lembrança e que dificilmente é revelado. Parabéns por exorcizarem seu "bicho-papão"(quem leu Harry Potter sabe!) e à você, Frederico Francisco, tenho que afirmar que aquele momento de decepção e tristeza não o tornou uma pessoa amarga, pelo contrário, você é a luminosidade em pessoa! As pessoas que desfrutam de sua companhia são privilegiadas! Parabéns!Você é 10!

Anônimo disse...

Pelo que pude perceber seu aniversário já passou ou está bem próximo. Então, de qq fomra, Parabéns e muitas felicidades. Que vc possa comerar sempre mais e mais =) Beijos.

Anônimo disse...

Sempre vivi numa terra do nunca, onde adultos não tinham vez e lá era sempre festa. Sempre gostei de comemorar aniversários, os meus, de filhos,dos meus amigos, das bonecas. Adoro festas! Mas essa sua história e o comentário de sua mãe aqui... Mas como alguem disse, vc exorcisou seu bicho papão. Me parece bem feliz e com muito carinho das pessoas que o cercam. Vc é corajoso em partilhar seus sentimentos. Parabéns!

Anônimo disse...

Fala sério, Fred...um dia espero merecer pelo menos uma frasezinha dessas que a Marilia te escreveu. Um dia eu chego lá!!!!

Patrícia Cunegundes disse...

Peguei a dica do blog lá no Arnaldo e adorei. Vou visitar sempre!

Anônimo disse...

Ai me deu uma vontade de chorar viu?? Eu não tinha festas quando criança, tentei uma com uns 16 anos, e foi muito legal!! Depois, lá perto dos 30 ficava querendo festa toda hora... agora não ligo mais, quem quiser que faça prá mim!! hehehehe!!
Obrigada pela visita, voltarei!!
Beijos!!

Anônimo disse...

Você teve coragem de se expor..engraçado ,é verdade o que as pessoas lá do blog falam..chegando aqui parece que você é outra pessoa, por que isso? No meu caso Fred , eu tenho tanto pavor de comemorar meu niver que eu nem tento...fico apavorada.

Anônimo disse...

que belo ceromano você se tornou, mesmo vivendo uma situação-limite como a descrita nessa revelação superprofunda do seu íntimo! muito bacana o seu black-blogue, vou acessar sempre, espero ser bem aceito nessa comunidade tão bem freqüentada e espero também que meus olhinhos já cansados agüentem essas letrinhas branas em fundo fuckin'. Tava pensando em não aparecer no sábado, mas fiquei com medo de causar mais um trauma na sua vida e já confirmo minha presença. Vou ver se levo um presente de humilde!
Küsse

Anônimo disse...

Já ouvi essa história e lembro muito dela e de outras semelhantes. Tenho verdadeiro pânico de ninguém aparecer nas festas dos meus filhos. Dias antes eu fico reforçando o convite e lembrando as pessoas. Incentivo as crianças mencionando os atrativos da festa e as lembrancinhas e animo os pais falando quem vai estar lá... Eu comemoro o meu aniversário sempre e o único ano que não comemorei foi por um motivo triste. O o fato de não ter feito uma festinha, justamente naquele ano, faz com que eu não me esqueça do tal motivo triste (que tanto quero esquecer!). Enfim, todos comemoram qualquer coisa, Copa do Mundo, Olimpíadas, Eleições... não há motivos para não comemorar o dia do seu nascimento! Parabens!

Anônimo disse...

Chico, vim aqui fuçar seu arquivo, como você tinha dito e achei essa perola. Lindo!!!!!!Lindo!!!!!!!e por que atrasada esteje um tremento parabéns por tanto poesia e obrigada por esse presente lindo.

Esse conto de menino que ficou guardada tão bem em ti e bravo para sua companheira que lhe deu motivos de celebrar sem medo e tirar esse trauma.

beijos
ps. você completou 38 anos??????
eu estou fazendo 3.9